Bocarras

The ghost of Praça de Touros

Centro Cultural Franco Moçambicano | Centro Cultural Moçambicano Alemão | Maputo

Introdução

Exposição individual de Bocarras, fotógrafo Moçambicano residente em Berlim, que traz um registo fotográfico da Praça de Touros de Maputo, capturando o tempo suspenso deste lugar, agora vazio, evocando os “fantasmas” da história de um passado colonial. A exposição estendeu-se pelos espaços das salas de exposição do CCFM e CCMA, mas também pelo jardim e grades do recinto do CCFM, aproximando mais o público das obras expostas. Uma parceria entre o CCFM e o CCMA.

 

Conceito

O monumental fantasma do tempo

“A fotografia é literalmente uma emanação do referente. De um corpo real, que estava lá, partiram radiações que vêm tocar-me, a mim que estou aqui”.
Roland Barthes, in A Câmara Clara

 

Bocarras brindou-nos com este interessante diálogo intervisual. Referente do nosso passado presente, esta exposição configura esse espaço privilegiado de partilha que nos remete às discussões sobre o tempo. Melhor, discussões sobre os tempos, já que são vários esses tempos e múltiplas as dinâmicas de contrastes que vivenciamos e a Praça de Touros de Maputo representa no simbolismo, na cor e no abstracionismo. Com o seu olhar fotográfico, Bocarras dá-nos a possibilidade de recuperarmos esses fantasmagóricos tempos que se “acarraçam” no dorso do tempo de hoje.

O esqueleto em que se transformou, se bem que engalanado de carcaças de carros e outras bugigangas, quais instalações artísticas, a Praça de Touros é hoje esse fantasma donde imergem os feitiços da nossa forçada urbanidade, cheia de tudo e de nadas. Esta é a proposta que nos é trazida, uma revisitação à Praça de Touros de Maputo.

Adentrando as fotos inferimos o interesse do autor pela Praça e, consequentemente, a relação que o mesmo estabelece com a tourada enquanto representação de uma estética que espelha as contradições desta modernidade perversa. Portanto, a escolha do lugar, esse sítio onde se forma o ciclone da composição de passados presentes, não é inocente. Ela revela uma preocupação com um presente feito de muitos passados que Bocarras repesca e nos dá de presente.

Outrora espaço privilegiado de alguns segmentos da sociedade colonial, hoje, a Praça de Touros reúne os fantasmas que, do tempo, Maputo foi de si tecendo. Sem esperar por solicitações de fretes, de camiões, chapas e muitos turismos, aí estão como que a dizer “os dias não são iguais”, “há mais marés que marinheiros”. Fantasmas a alta velocidade, esses dias transportam gentes e seus capotados sonhos. É esse monumental entulho de dias esvaindo-se sob o nosso olhar quase incrédulo, que Bocarras fez questão de “zoomar” e captar. A sua objectiva nos traz toda essa lufada da guerra pela sobrevivência, que nada mais é senão uma perfeita tauromaquia na praça dos dias.

Esta série de fotografias não só captura o tempo, como o sitia e o isola numa espécie de atomismo que se enclausura nos tempos de hoje. Ou seja, o tempo se supera, se dilui e se liquidifica nas nossas existências, como o diz Bauman, entornando-se-nos numa espécie de relação hermafrodita. Assim mesmo reproduzimo-nos liquefeitos, quais lágrimas produzindo a nossa inteligência emocional: estamos estruturalmente vinculados ao passado, como que a lembrar que somos forcados nesta praça onde o touro é este tempo presente que corre sem freios exibindo seus dotes de desordem.

Constituindo o armazém da nossa realidade como experiência, o tempo nos vai dando a real fotografia da nossa (des)humana condição, o que nos acomoda e nos readapta à agruras do momento. Faz todo o sentido, pois, o casamento entre o grotesco e a realidade que nos circunda e a beleza da fotografia nos põem à prova. Não é sem razão que se diz que o touro se agarra pelos cornos. No centro deste adágio está a nossa vinculação às touradas, essa abjecta vontade de fazer sofrer e de matar com brio profissional e laivos de estética.

Ainda que mórbida, há quem encontre beleza na tourada: o monumental fantasma do tempo paira na nossa toureada vida como “literalmente uma emanação do referente” desta perversa modernidade. É a nossa praça de fantasmas, uma autêntica metafísica, é a visualização da “insustentável leveza do ser” de que Kundera nos fala. Se bem que as pessoas habitem a memória da praça, a ideia da vacuidade, do vazio, é a que melhor a retrata, ainda que o grotesco e o bucólico imperem nesse vácuo. Então, quer dizer que as formas, as linhas e as perspectivas fantasmaram-se.

Contudo, com o seu feitiço clíquico, Bocarras recorda-nos que a luz é a chave da nossa força visual. Através do contraste entre o preto e o branco, dá-nos a informação visual sobre essa ausência sempre presente dos fantasmas que habitam a nossa Praça. Aqui estão!

Filimone Meigos

 

Informação

Exposição patente de 04 a 31 de Maio 2021, no Jardim e Salas de exposições do CCFM e CCMA.