Adiodato Gomes

Luvano

Fundação Fernando Leite Couto

Textos

A LUZ E O CANTO DOS PÁSSAROS

Contava o antropólogo Lévi-Strauss, que um dia os índios Bororo, da Amazónia, lhe perguntaram sobre a razão convincente que o motivava a manter o rosto nu, isto é, sem tatuagens, quando o próprio do homem era distinguir-se da natureza. Para eles, a passagem da natureza à cultura manifestava-se nas pinturas ou escarificações faciais e consideravam absurdo que qualquer homem quisesse dispensar esse “salto” qualitativo.

Lembrei-me desta história assim que vi estas fotos de estúdio de Adiodato Gomes, que tomam por modelo a cantora Thobile Magagula e o seu corpo intervencionado por Léa Barreau-Tran, uma artista de body art e que, com felicidade, fazem do corpo feminino e da sua gravidez uma celebração.

Há várias coisas que me agradam nesta exposição e na sua ideia-ovo-de-colombo.

Primeiro que tudo, a luz, ou antes, a força singular com que o corpo e o rosto e as cores que neles se inscrevem como gorjeios, emergem do preto, como se nascidas desse nada que o ground antecipa. O preto é normalmente o tom onde tudo morre, aqui é o canal de onde tudo nasce.

Segundo, a urgência com que se começava a sentir a falta de fotos de estúdio no panorama da fotografia em Moçambique e, mais, aliada à nudez – de que só me recorda antecedências em algumas fotos de José Cabral. Ora, não ter vergonha do corpo é um primeiro passo para a emancipação de qualquer cultura, contra o moralismo patológico que alguns equívocos políticos teimam em fazer persistir.

Terceiro, a unidade do conjunto da exposição, elegante e sóbria, e tocada por uma dignidade que, fazendo do corpo da mulher uma tela vibrátil por onde emana a alegria dos motivos pictóricos, pinceladas e cores (que, como já insinuei em cima, me evocam o canto dos pássaros, razão pelo qual penso que a melhor “banda sonora” para a exposição seria a obra Catálogo Dos Pássaros, de Oliver Messiaen), não a faz descambar para a tentação voyeurista. Acresça-se a dinâmica algo coreográfica que o conjunto das composições lhe imprime. Portanto, pode considerar-se relativamente bem conseguida esta primeira individual de Adiodato Gomes, que tem “a autenticidade” da espontaneidade – factor que dificilmente se repete. Mas deve dizer-se igualmente que esta bela exposição está na fronteira da facilidade e do dejá vu e que esse risco só pode ser contornado por um reforço da responsabilidade no artista.

O que aqui intuitivamente lhe saiu bem deve agora ser apurado com o estudo: com Caravaggio, Rembrant, George La Tour e outros clássicos da pintura, para apurar cientificamente o domínio da luz; o estudo dos filmes de Godard e de Tarkovski, para apurar a composição; e a frequência dos mestres da fotografia do século XX e contemporânea para Adiodato se conseguir desviar dos frutos precipitados e das portas erróneas (e comerciais) que presumivelmente se lhe podem apresentar e apurar a “mecânica” do conceito.

Só o tempo e a investigação fazem a longa duração de um talento. O mais é dissipação e ganhos fátuos.

Estamos certos de que Adiodato não ficará deslumbrado e não nos desiludirá.

Ah, esperemos que o Luvano, o filho desta abençoada gravidez, seja astronauta!

António Cabrita

 

LUVANO: a arte a partir de um ventre

Uma gestação, a de LUVANO, despertou no fotógrafo moçambicano Adiodato Gomes o desejo de interpretar esse momento à luz da arte. Quis Adiodato interpretar e deixar de lado os preconceitos de que se veste a sociedade em relação à barriga de uma gestante.

LUVANO é o rebento da cantora de Eswatini Thobile Magagule, que fez as delìcias de muitos amantes da música em Moçambique sobretudo no projecto de que é integrante, Spirits Indigenous. Na etapa final da gravidez da jovem cantora, o fotógrafo combinou uma sessão de estúdio.

O propósito foi o de desafiar os preconceitos à volta da barriga cheia, bonita por ser uma promessa de uma nova vida, mas que a sociedade, às vezes em tom de hipocrisia, tenta relegar para o escondido. Para materializar o desejo acrescentou arte, escolhendo a pintura corporal, que expressa o desejo de beleza que Thobile e os seus esperavam para LUVANO. As pinturas fotografadas no corpo de Thobile são da artista francesa de pinturas corporais Léa Barreau-Tran.

Esta simbiose entre duas artes – a de gerar uma vida e a de testemunhar um estágio desse acto atravéz de uma retina acrescida à da expressão pela pintura corporal – é trazida à Galeria da Fundação Fernando Leite Couto numa primeira aventura de Adiodato Gomes às exposições individuais.

Gil Filipe

 

Informação

Data: De 07 a 30 de Julho de 2016

Local: Fundação Fernando Leite Couto, Maputo

Curador: Filipe Branquinho

Modelo: Thobile Magagula

Bodypaint: Léa

Conceção e Organização: Filipe Branquinho, Adiodato Gomes

Produção: Adiodato Gomes

Desenho expositivo: Adiodato Gomes, Filipe Branquinho

Performance: Thobile Magagula

Desenho gráfico: Qideia

Impressão e moldura: Kioske Digital

Equipa de Montagem: Adiodato Gomes, Filipe Branquinho, Nunes Chichava