Hino das cores
Fundação Fernando Leite Couto
Texto da Exposição
Hino das cores
Recriar o talento de sincronizar as cores com as formas disformes, é um desafio a que poucos se atrevem a nele se embrenhar.
Gumatsy habituou-nos a deambular por esse mundo de tons que esgravatam a musicalidade do nosso quotidiano, vestido de incertezas do nosso devir, encurralado na carência básica da cesta básica.
Muito antes do nosso desespero engravidado pelo Covid 19, Gumatsy já projectava, nas suas telas, o desconforto do avolumar duma maioria cada vez mais despossuída das suas necessidades mais elementares. Com as suas cores e formas, procurou nutrir as nossas mentes desnutridas por uma refeição alimentada tão-somente por um pão e seis mabagias fritas e refritas num poço estagnado de óleo que já não se lembrava da sua idade.
Nas telas de Gumatsy, encontramos como que salvo-condutos que oleiam o sonho de um amanhã sem tamanha miséria. Nelas não encontramos a riqueza de cores, pois não faz parte dos seus propósitos camuflar a geométrica pobreza do nosso viver com uma encandeante coloração, o que no fundo, seria uma patética camuflagem do atual ritmo do nosso estar.
O ritmo das suas cores a desconstruir formas que se assumem como notas musicais, remete-nos para uma sonoridade que nos embarca num sonho do qual não queremos despertar para não ferir a harmonia sinfónica que dentro de nós se recria.
Nas violas infiltradas ou filtradas de Gumatsy, encontramos ecos nebulosos da sonoridade com que o mestre Chichorro vestia as suas aguarelas e telas que roçavam, duma forma indelével, o nosso subconsciente ansioso por se libertar tal como os pássaros engaiolados.
As violas de Gumatsy restauram em nós uma certa inconformidade com este nosso quotidiano que nos faz levitar por charcos conscientemente construídos para desconstruir o sonho que um dia foi colectivo.
Em Gumatsy não flutuam cores desconexas com a tenebrosidade a que está sujeita a vasta maioria das dezenas de milhões de moçambicanos que ontem eram os motores do desenvolvimento da nossa pátria e hoje são tidos tão-somente como a matéria residual e descartável deste mundo global onde cumpre as cores e formas denunciar o seu viver.
Mussagy Jeichand